AVANÇOS E QUESTÕES PERSPECTIVAS NA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE
José Luís dos Santos Rufino
RESUMO
O presente trabalho procura caracterizar as principais transformações ocorridas na década de 90, em diversos segmentos da cadeia produtiva do leite. A partir destes comentários, buscou-se formular questões relevantes em termos da perspectiva do setor para os próximos anos. O objetivo é fazer perguntas, previamente justificadas, cujas respostas ajudem a identificar potencialidades e estrangulamentos ao melhor desempenho sistêmico da produção de lácteos.
1- INTRODUÇÃO
A década de 90 foi assinalada por profundas e abrangentes transformações na cadeia produtiva do leite (CPL).Neste período, mudanças significativas foram observadas em todos os seus elos e, suas causas e conseqüências foram apontadas e analisadas por diversos importantes estudiosos do setor, dentre eles: GOMES (1999); JANK E GALAN (1998) e BRANDÃO (1999).
Mesmo tendo recebido destacadas contribuições, o assunto, contudo, não está esgotado. Persistem questões relevantes para as quais não se têm ainda as respostas conclusivas. Dúvidas existem em torno das perspectivas do setor, principalmente, a respeito da coordenação da CPL nesta nova dinâmica que se apresenta no início do novo milênio. Perguntas devem ser feitas à cerca do papel dos agentes envolvidos nos diversos segmentos, do governo e dos organismos de classe, dentre outras.
Neste artigo introdutório, pretende-se comentar alguns avanços ocorridos na última década nos diversos segmentos da CPL e, em decorrência destes, levantar algumas questões relevantes sobre as quais precisam ser feitos alguns esclarecimentos. Espera-se que este evento discuta algumas das questões levantadas, e mais ainda, proponha ações e ajustamentos face a esta nova realidade, tão diferente daquela predominante no início dos anos noventa.
2- PECUÁRIA LEITEIRA
Na década de 90 a produção brasileira de leite cresceu cerca de 40%, passando de 14,5 para 20,4 bilhões de litros entre 1990 e 1999. Este crescimento acentuado fez com que o Brasil passasse a responder, segundo a FAO (1999), por aproximadamente 4,3% da produção mundial em 1998, ao invés de representar apenas 3,1% deste total, como verificado em 1990.
Este crescimento acentuado tem diversos aspectos interessantes que merecem atenção dos analistas. O primeiro deles é observar como se deu este aumento do ponto de vista da escala de produção da atividade leiteira. Tomando-se os dados da Itambé (Quadro 1) como proxi do que ocorreu no mercado formal de leite no país, verifica-se que os fornecedores de maiores cresceram substancialmente em número e em volume fornecido aos laticínios. Em 1990, 37,5% dos produtores forneciam até 25 litros de leite diariamente e eram responsáveis por 7,3% do volume total. Este mesmo grupo, em 1999, teve sua participação numérica reduzida para 22,26% do total de produtores que entregaram leite a esse laticínio e responderam por apenas 1,69% do volume entregue.
Por outro lado, tomando-se, no mesmo espaço de tempo, os produtores rurais que entregaram acima de 200 litros de leite diariamente, verifica-se um comportamento oposto. Eles passaram de 6,3 para 22,5% do número de produtores e aumentaram sua participação no volume produzido de 33,5 para 71,63% entre 1990 e 1999.
Quadro 1- Participação do número de produtores e da quantidade produzida de leite em diversos estratos de volumes comercializados diariamente
Anos |
Até 25L/dia |
Até 50L/dia |
Mais de 200L/dia |
Mais de 500L/dia |
||||
|
Número (%) |
Prod. (%) |
Número (%) |
Prod. (%) |
Número (%) |
Prod. (%) |
Número (%) |
Prod. (%) |
1990 |
37,50 |
7,30 |
61,80 |
20,80 |
6,30 |
33,50 |
1,00 |
10,40 |
1991 |
36,10 |
6,70 |
60,20 |
19,60 |
7,00 |
34,90 |
1,10 |
10,80 |
1992 |
37,30 |
7,30 |
61,70 |
20,80 |
6,40 |
33,70 |
0,90 |
10,20 |
1993 |
36,29 |
7,06 |
61,19 |
20,80 |
6,46 |
33,48 |
0,90 |
9,89 |
1994 |
36,03 |
6,79 |
60,68 |
20,00 |
6,81 |
35,03 |
1,05 |
11,14 |
1995 |
31,60 |
4,90 |
55,50 |
15,40 |
9,80 |
44,30 |
2,00 |
17,60 |
1996 |
29,42 |
3,97 |
52,81 |
12,90 |
11,69 |
51,8 |
3,14 |
25,70 |
1997 |
28,89 |
3,55 |
51,80 |
11,60 |
12,88 |
55,71 |
3,583 |
30,32 |
1998 |
27,00 |
2,78 |
48,36 |
9,00 |
15,87 |
62,02 |
5,38 |
36,59 |
1999 |
22,26 |
1,69 |
40,41 |
5,72 |
22,53 |
71,63 |
9,06 |
47,14 |
Fonte: Itambé
Chega-se a resultados semelhantes quando se analisam outros estratos. A participação no número de produtores e no volume produzido daqueles fornecedores que entregam até 50 litros de leite diariamente decresceu entre 1990 e 1999 de, respectivamente, 61,8 para 40,41% e de 20,8 para 5,72%. Noutra vertente, verifica-se, que em 1990, os produtores que entregaram acima de 500 l/dia, significavam apenas 1 em cada 100 e respondiam por pouco mais de 10% do total do leite coletado. Em 1999, mais de 10% dos produtores entregaram acima de 500 litros de leite/dia que representaram quase 50% do leite total entregue.
Fica claro, então, que os pequenos produtores de leite tiveram uma queda de participação mais acentuada no volume fornecido ao mercado do que no número de fornecedores. Ao contrário, o número de fornecedores maiores aumentou proporcionalmente mais do que a participação destes produtores no volume total produzido.
Pela análise destes dados, então, pode-se concluir que o significativo acréscimo da produção de leite no Brasil deu-se através do aumento de escala de produção na pecuária leiteira. Dito de outra maneira, imagina-se que um número significativo de pequenos produtores aumentou sua escala de produção, ou novos produtores que iniciaram a atividade o fizeram com uma escala maior em atenção às exigências do mercado contemporâneo. È possível também que pequenos produtores que não conseguiram aumentar sua escala de produção tenham sido pressionados a deixar o mercado formal, ou mesmo abandonar a atividade.
O certo mesmo é que, em média, a escala de produção da pecuária leiteira implantada hoje é, significantemente, maior do que aquela presente no início da década de 90. Isto leva a uma primeira questão fundamental. Quais os ganhos de escala associados à pecuária leiteira? Existe um tamanho mínimo recomendável para uma atividade pecuária destinada ao mercado formal? Qual a escala de produção associada ao custo mínimo? Estabelecer funções de custo confiáveis são a base de qualquer empreendimento moderno, por conseguinte, responder a estas questões será uma importante contribuição para a pecuária leiteira.
É óbvio que a tentativa de responder a estas questões levanta outras indagações a respeito da composição do rebanho, de natureza tecnológica e a cerca da localização geográfica da atividade.
Preocupado com a relação entre o custo de produção e as características raciais predominantes no rebanho leiteiro do Brasil, HOMEM DE SOUZA (2000) realizou estudo com o objetivo de analisar a estrutura de custo e a capacidade de resposta da produção a alterações da demanda de produto lácteos de rebanhos predominantemente zebu, mestiço e predominantemente europeu. Os rebanhos estudados com base em amostragem realizada nos estados de Minas, São Paulo e Goiás possuem, em média, as características apresentadas no Quadro 2.
Quadro 2 - Características Gerais dos Rebanhos Estudados
Característica |
Unidade |
Rebanho |
||
|
|
Zebu |
Mestiço |
Europeu |
Produção |
L/dia |
77,94 |
314,27 |
913,35 |
Área utilizada |
ha |
143,00 |
162,26 |
57,34 |
Capital em benfeitorias |
R$ |
18.409,00 |
55.720,00 |
68.135,00 |
Capital em máquinas |
R$ |
6.266,00 |
27.106,00 |
60.100,00 |
Capital em alvenarias |
R$ |
19.456,00 |
56.675,00 |
106.583,00 |
Gasto em M.d.O familiar |
R$/ano |
1.322,00 |
2.587,00 |
4.034,00 |
Gasto em M.d.O contratada |
R$/ano |
1.471,00 |
6.437,00 |
13,464 |
Gastos diretos 1/ |
R$/ano |
2.271,00 |
12.551,00 |
45.974,00 |
Depreciação |
R$/ano |
1.429,00 |
4.819,00 |
10.089,00 |
Produtividade |
L/ano/ha |
478,00 |
1.219,00 |
6.078,00 |
Produtividade 2/ |
L/ano/ha |
4,01 |
7,71 |
16,90 |
Fonte: Homem de Souza (2000)
1/
Concentrado, silagem, mineral, energia elétrica, combustível e inseminação artificial;2/
Litros/dia/vaca em lactação.Com características tão díspares, os rebanhos apresentam funções de custo bem distintas. Em relação ao rebanho predominantemente zebu, constata que sua função de produção apresenta retorno decrescente à escala, ou seja, os custos médios desta exploração aumentam à medida que aumenta a produção. O rebanho mestiço tem uma função de produção com retornos constantes à escala, o que significa dizer que seu custo médio não se altera quando o volume de produção varia. Já o rebanho predominantemente europeu apresenta retornos crescentes à escala, ou seja, seu custo médio diminui à medida que aumenta o volume produzido.
Estes resultados implicam que a produção de até 8.036 litros de leite por ano tem menor custo se feita com o uso de rebanho predominantemente zebu. As produções anuais de leite entre 8.036 e 70.230 litros têm menor custo se feitas com o uso de rebanhos mestiços. Já as produções acima deste limite superior, possuem custos menores se conseguidas utilizando-se rebanhos predominantemente europeus (FIGURA 1).
FIGURA 1 - Representação das curvas de custo médio para os três sistemas de produção.
FONTE: HOMEM DE SOUZA (2000)
Com base em seus resultados, o estudo conclui também que, em função do incremento da demanda de leite, o rebanho predominantemente europeu apresenta uma maior capacidade de resposta da produção em relação ao rebanho mestiço, e este, maior em relação ao rebanho predominantemente zebu. Conclui ainda, que há uma relação inversa a esta, quando se trata da sobrevivência da atividade leiteira em função da queda de preços do produto. Num cenário de redução do preço de leite, os primeiros sistemas a fecharem as portas são aqueles que utilizam animais predominantemente europeus, seguidos dos mestiços e, finalmente, dos que usam animais predominantemente zebus.
Estes resultados suscitam novas questões relacionadas às características predominantes do rebanho com que se pretende responder ao aumento de demanda do mercado. Com qual tipo predominante de rebanho pretende-se encarar o desafio de ampliar a oferta de leite no Brasil?
Resposta a esta questão comporta uma abordagem econômica para equacionar as dificuldades relacionadas ao fato de quanto maior a capacidade de produzir, maior é a suscetibilidade do rebanho à adversidades do mercado. Comporta também um enfoque tecnológico, abordando os aspectos ligados aos manejos agronômico, zootécnico e veterinário do rebanho.
Outro aspecto interessante da atividade leiteira no Brasil diz respeito às mudanças ocorridas na geografia da produção. Na década de 90, houve um incremento de produção de leite relativamente maior nas regiões não tradicionais, quando comparado com a região Sudeste, tradicional produtora.
A região Centro-Oeste apresentou taxa anual de crescimento de 8,6% no período de 1990-98, muito maior que as das demais regiões. Assim, ampliou sua participação na produção nacional de 11,7% em 1990, para 16,4% no final da década. As regiões Norte e Sul também tiveram sua participação relativa ampliada na produção de leite brasileira. Enquanto isso, as regiões Sudeste e Nordeste decresceram sua participação relativa, sendo que, a primeira continua como principal produtora, respondendo por quase 44% da produção nacional, muito embora, no início da década tenha respondido por cerca de 48% do total produzido.
Esta migração da atividade leiteira sucinta algumas preocupações. Por exemplo, quais são as vantagens competitivas que embasam esta mudança geográfica e quais são suas bases de sustentação? Por que as regiões tradicionais produtoras não responderam aos apelos do acréscimo de demanda com igual intensidade? Que pode, e deve, ser feito para reverter esta tendência? Quais as questões tecnológicas relevantes nas novas regiões produtoras? Quais os impactos na economia regional de espaços físicos que perderam vantagens competitivas? Quais as alternativas produtivas para os produtores marginalizados por não adequarem as novas exigências do mercado?
3- INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
A indústria de laticínios é definida por JANK (1998) como o setor que adquire a matéria-prima leite, processa e produz diversos derivados lácteos. Ele classifica as empresas do setor em:
Empresas multinacionais: são os grandes grupos privados controlados por capital de origem externo e que atuam em âmbito nacional, tanto na captação formal de matéria-prima como, principalmente, na comercialização de produtos finais. Na década de 90, estas empresas promoveram intenso processo de concentração do setor industrial, por adotarem um processo contínuo de aquisição de laticínios de capital nacional.
Grupos nacionais: são empresas com menor capacidade financeira que as multinacionais e atuação mais voltada para produtos específicos e mercados regionais, tanto no que se refere à coleta de leite como à comercialização de produtos finais. Estas empresas encontram-se num momento bastante difícil em relação a sua sustentação no mercado. Muitos laticínios foram adquiridos pelas multinacionais européias na década de 90, alguns passaram por processos de fusão e outros procuraram desenvolver alianças estratégicas buscando melhorar suas inserções no mercado.
Negociantes sem fábrica: são empresas que internalizam, a preços altamente competitivos, produtos lácteos importados de origens diversas. Na década de 90 estas empresas exerceram uma grande influência no mercado.
Cooperativas: estas empresas, que cresceram durante o período em que o mercado era regulamentado pelo Estado, enfrentou na década de 90, graves problemas de concorrência na compra de matéria-prima e na venda de produtos finais. A menor capacidade financeira e a falta de agilidade no processo de decisão têm dificultado a sobrevivência de muitas cooperativas, que perderam participação no mercado onde atuaram. Ao longo dos últimos anos, algumas foram adquiridas por empresas mais agressivas na área comercial, algumas optaram pela estratégia de apenas aumentar o poder de barganha dos produtores diante das grandes empresas compradoras de leite e outras optaram por promoverem diversos tipos de integração na busca de melhor inserção no mercado.
Pequenos laticínios: são empresas pequenas que adquirem matéria-prima, industrializam produtos lácteos, normalmente, em mercados regionais. Em algumas regiões, estas empresas geram uma forte concorrência, tanto na aquisição de matéria-prima, como na venda do produto final. São compradoras de boa parcela do denominado leite informal, e não raro, aproveitam lacunas legais nas áreas tributárias e sanitárias. São, contudo, em várias regiões, a única alternativa de mercado para pequenos produtores e até para produtores maiores fora da linha tradicional de coleta.
Pela descrição dos diversos grupos de empresas, não há dúvida que a indústria brasileira de laticínios passou por uma forte transformação na década de 90. A questão que se impõe é: qual o perfil desejável para a indústria que surgirá desta transformação? E mais, que deve ser feito para proporcionar o surgimento do padrão industrial desejável?
A indústria do início do terceiro milênio poderá ser mais concentrada, dominada por poucas empresas, prevalecendo uma estrutura industrial que reflete o poder econômico. Ou poderá ser uma indústria mais competitiva, diversificada e mais bem adaptada às peculiaridades regionais. Em outras palavras, pode-se optar por uma nova indústria dominada por pequeno número de empresas gigantes, ou por uma indústria composta de produção artesanal, cooperativas e grandes fábricas, sustentada na sua idéia de que a atividade laticinista comporta um grande número de atividades. Em algumas delas é indiscutível a presença de economias de escala, mas há espaço para os mais diferentes tamanhos e formas de organização, mesmo dentro da perspectiva de eficiência econômica. Que modelo propor? Como fazer para implementá-lo? Serão, portanto, questões importantes.
4- DISTRIBUIÇÃO E VAREJO
A ampliação substancial do volume de produtos lácteos comercializados através dos supermercados, e a conseqüente diminuição de importância relativa dos pequenos pontos de distribuição, como padarias e bares, é o fato mais marcante associado as grandes transformações ocorridas no segmento de distribuição e varejo de CPL na década de 90.
A força e importância dos supermercados no varejo de laticínios são crescentes. Este processo intensificou-se muito a partir do Plano Real, com a estabilidade da moeda e a queda da inflação. Basicamente, são duas fortes influências dos supermercados. A primeira exercida pelo grande poder de barganha destas empresas que, segundo PRIMO (1999), são responsáveis por mais da metade do faturamento do setor de laticínios. Eles utilizam este poder para pressionarem as margens dos demais segmentos do CPL, promovendo perda de competitividade do setor.
A segunda ação do supermercado que vem afetando toda CPL, é a prática que, principalmente, as grandes redes utilizam, de realizar importações diretas para pressionar os preços, muitas vezes internalizando subsídios de origem que acabam por promover restrições ao desenvolvimento do setor.
Este deslocamento do canal de distribuição das padarias para o supermercado, portanto, vem impondo condições que podem constituir um sério estrangulamento para as indústrias de laticínios e seus fornecedores, em particular, para as empresas pequenas e médias, as quais resta trabalhar quase que exclusivamente com o pequeno e médio varejo.
É oportuno ressaltar, no entanto, que se de um lado os supermercados podem constituir um gargalo; do outro, é preciso reconhecer que sem eles torna-se praticamente impossível abastecer os grandes centros. Daí ser necessário estabelecer o padrão de convivência com este importante elo da CPL. Como faze-lo? Como estabelecer uma gestão de vendas eficiente, baseando numa logística avançada e no uso eficaz dos recursos de informática?
5- CONSUMIDOR
No contexto descrito para a década de 90, caracterizado por mudanças constantes e aceleradas, surgiu um consumidor mais bem informado. Para PRIMO (1999), "de um agente passivo que simplesmente aceitava o que a indústria decidia produzir, transformou-se em personagem ativo que hoje determina o que, quanto e onde produzir". Para ele, o consumidor hoje, é exigente, infiel, comodista e volúvel. Qualquer fato abala sua confiança em um produto o faz mudar e diferenças de preços, por menores que sejam, provocam constantes migrações. Suas características predominantes, segundo o mesmo autor, são:
Em síntese, o consumidor brasileiro está cada vez mais exigente. Ele quer alimentos saudáveis, sem abrir mão do sabor, do valor nutritivo, da aparência convidativa e da comodidade. É necessário, portanto, que toda a CPL se organize no sentido de atender a este novo padrão de consumo. Se de um lado esta tendência abre grandes perspectivas para uma oferta variada de produtos lácteos com valor agregado, de outro, passa a exigir qualidade do processo produtivo - inclusive da matéria-prima - e uma constante e sistemática troca de informações entre os agentes da cadeia produtiva.
A pergunta é, como está sendo escutado este consumidor e como suas exigências estão sendo transmitidas, e mais, como os diversos elos da CPL estão sendo estimulados a trabalhar em harmonia para atender as novas exigências? Em temos específicos, pode-se questionar, por exemplo, qual é a elasticidade-renda e preço dos produtos lácteos? Respostas básicas para o estabelecimento de políticas setoriais.
Outras questões relativas aos consumidores estão associadas á identificação de ninchos de mercado para produtos lácteos específicos. Neste caso, podem ser listados os crescentes mercados para produtos orgânicos, produtos destinados ao tratamento de saúde - alimentos especiais e fármacos - e derivados do leite que são importantes insumos para outras cadeias produtivas. Por ser um mercado emergente, torna-se necessário saber onde estão, quantos são, qual a demanda e quais são as reais exigências destes consumidores?
6- APARATO INSTITUCIONAL
A dinâmica transformação que foi observada em todos os elos da cadeia produtiva do leite na década de 90 parece não ter tido um paralelo no que diz respeito ao comportamento das instituições públicas e privadas que gravitam no seu entorno e são as principais responsáveis pela coordenação do setor. O dinamismo da evolução do desenho institucional nesse período comporta duas vertentes analíticas, uma das atribuições do Estado, e outra, sobre o papel das entidades representativas dos diferentes elos da CPL.
Ao comentar o desempenho das instituições ligadas ao Estado na década de 90, a pergunta que se faz inicialmente é: num País como o Brasil, que apresenta fortes distorções sociais e econômicas, é correto cingir as funções do Estado à de árbitro do conflito entre os agentes da CPL? Ou lhe cabem outras funções no sentido de melhor direcionar o setor para alcançar maiores benefícios através de políticas setoriais e regionais?
Se cabe ao Estado uma função mais restrita, suas atribuições se resumem às questões tributária e fiscalização sanitária, além de um possível apoio ao desenvolvimento tecnológico. Mesmo quando analisado sob um prisma mais restrito, observa-se que as instituições não tiveram uma evolução compatível com o dinamismo verificado nos diversos segmentos da cadeia. Parte deste imobilismo pode ser explicado pelo esforço de estabelecer uma nova ordem constitucional. A Constituição de 1988 estabeleceu uma nova relação entre os governos da União, Estado e Municípios, quer no que diz respeito a responsabilidade de cada um, quer com relação a distribuição de recursos arrecadados. As dificuldades para implantação do novo modelo geraram certo imobilismo nas instituições tributárias e fiscalizadoras. Neste momento, em que o Congresso Nacional volta a discutir a reforma fiscal, cabe perguntar se existem sugestões para melhorar as legislação tributária nos aspectos pertinente à CPL? Cabe perguntar até se são conhecidos os vieses da atual legislação e onde e como eles estão estrangulando o desenvolvimento do setor?
Com relação à fiscalização sanitária, o novo momento exige que ela tenha uma formatação que lhe permita, além de coibir fraudes e abusos, orientar os diversos segmentos das cadeias produtivas a operarem com qualidade, e de forma sistêmica, na busca de um produto final compatível com as exigências de mercado. Nesta ótica, cabe perguntar se as normas e procedimentos em vigor são suficientes para garantir a segurança alimentar da população? Onde elas estrangulam o processo? Como elas promovem o dinamismo e a interação dos agentes? As novas atribuições dos diversos níveis de poder estão assimiladas e há empenho em sua execução? São desejáveis adaptações legais específicas para acolher as características e possibilidades das pequenas indústrias?
Se cabe ao Estado uma maior intervenção nos rumos do mercado de modo a permitir um desenvolvimento mais uniforme, onde o aumento de produtividade seja dividido por todos os atores econômicos, onde o crescimento de uns não seja o motivo do atraso dos outros, então, fica patente a pequena influência de políticas setoriais e regionais que dêem suporte ao dinamismo apresentado pela CPL na década de 90. Neste período, foram escassos os incentivos econômicos e raras as propostas institucionais que mostrassem oportunidades e novos caminhos que deveriam ser trilhados para criação de mais empregos e aumento da riqueza associados à atividade de produção de lácteos.
Como integrar propostas setoriais e regionais para incentivar o desenvolvimento harmônico da CPL? Como somar cooperação para, ao longo do tempo, obter-se crescente produtividade, para mais produção, mais lucros reinvestidos mais empreendedores, enfim, mais qualidade de vida? O incentivo à formação de cluster pode se constituir em um modelo para promover o crescimento da produção de lácteos e apoiar o desenvolvimento regional?
No que diz respeito à importância das representações de classe dos agentes de uma cadeia produtiva dinâmica na economia moderna, pode-se afirmar que sistemas bem organizados são instrumentos indispensáveis ao funcionamento harmônico do setor. Na CPL, constata-se a presença de uma grande quantidade de associações que representam os mais diferentes elos em nível federal, estadual regional e municipal dificultando a identificação da real representatividade de cada segmento e trazendo a idéia de um setor muito mal articulado. E a articulação é peça imprescindível para o funcionamento sistêmico da cadeia de produção.
Para JANK(1998), de forma geral, a atuação destes Órgãos de representação da CPL tem se caracterizado pela defesa de interesses conjunturais de seus associados, particularmente no que se refere a gestão políticas junto ás câmaras setoriais e aos governos estadual e federal. Para ele, na década de 90, apenas a partir de 1997 o grau de coordenação entre as associações do setor melhorou, com a identificação de determinados interesses e inimigos comuns, sendo o principal deles a importação de produtos lácteos.
A representatividade e a articulação das instituições representativas dos diversos segmentos da CPL precisam melhorar, para que os conflitos de interesse entre os atores possam ter uma rotina de resolução que combine com o dinamismo e a pujança do setor. Como fazê-lo é mais uma das importantes questões em perspectiva.
7- BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BRANDÃO, A.S.P. Aspectos econômicos e institucionais da produção de leite no Brasil. In: Restrições técnicas, econômicas e institucionais ao desenvolvimento da cadeia produtiva do leite no Brasil. Juiz de Fora, EMBRAPA-CNPGL, 1999. p.37-70.
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS – FAO. Statistical databases. (http://apps.fao.org/ )
GOMES, S.T. Diagnóstico e perspectivas da produção de leite no Brasil. In: Restrições técnicas, econômicas e institucionais ao desenvolvimento da cadeia produtiva do leite no Brasil. Juiz de Fora, EMBRAPA-CNPGL, 1999. p.19-35.
HOMEM DE SOUZA, D.P. Análise da estrutura de custo e preço de sobrevivência dos principais sistemas de produção de leite. Viçosa-MG, DER-UFV, 2000. 79p.
JANK, M.S. & GALAN, V.B. Competitividade do sistema agroindustrial do leite. São Paulo, USP-PENSA, 1998, 70p.
PRIMO, W.M. Restrições ao desenvolvimento da indústria brasileira de laticínios. In: Restrições técnicas, econômicas e institucionais ao desenvolvimento da cadeia produtiva do leite no Brasil. Juiz de Fora, EMBRAPA-CNPGL, 1999. p.71-127.